Round 6 e o problema do trem: uma reflexão sobre dilema presente na série


Eu tentei resistir, mas não deu. Acabei me rendendo a Squid Game (Round 6 por aqui) e concluí em dois dias a série mais comentada da atualidade. A produção da Netflix, apesar de estar longe de ser uma obra prima como muitos argumentam, oferece uma boa história de fundo e algumas reflexões interessantes.

Mesmo sabendo que só um chegaria ao final com o prêmio em dinheiro oferecido pelo líder do Battle-royale a que se propôs participar, Seong Gi-hun tentou seguir padrões éticos e morais durante todo o jogo, mas em um momento em específico claramente ultrapassou o limite entre o que geralmente se considera a linha entre o certo e o errado.

No jogo da bolinha de gude, em que cada um dos participantes concorria com seu próprio colega de dupla, o personagem se aproveitou da suposta falha de memória de seu oponente para vencer o jogo. Tendo conseguido as bolinhas de seu concorrente com essa 'trapaça', ele acabou sobrevivendo e sendo classificado para a próxima fase do game, enquanto seu parceiro de jogo teoricamente morreu.



Cho Sang-woo, por sua vez, desde o início do game mostrou um duplo padrão moral e, além de ignorar a chance de salvar seu melhor amigo no segundo jogo, trapaceou feio no mesmo game das bolinhas de gude, roubando as bolinhas que seu oponente havia conquistado, o que culminou com a morte do até então parceiro de equipe.

No quinto jogo, Gi-hun pôde ver de perto esse lado até então desconhecido do seu amigo de infância, que empurrou para a morte um dos participantes que ainda estavam na passarela de vidro, abrindo então o caminho para que ele seguisse no jogo.

Gi-hun, então, confrontou Sang-woo sobre a sua decisão, questionando a falta de moralidade do amigo no game. Mas será que a atitude dos dois foi tão diferente assim? Essa questão fez vir à mente imediatamente um dilema apresentado em uma aula recente de Ética Profissional na universidade.

Trata-se do famoso dilema do trem, que conta com dois problemas básicos e simples de entender:

Situação 1: Um trem está correndo pelos trilhos e está fora de controle. Se continuar em seu curso e não for desviado, ele passará por cima de cinco pessoas que foram amarradas aos trilhos. Você tem a chance de desviá-lo para outra pista simplesmente puxando uma alavanca. Se você fizer isso, no entanto, o trem vai matar um homem que por acaso está parado nesta outra pista.

 

 O que você deveria fazer?

Situação 2: um trem desgovernado ameaça matar cinco pessoas. Um homem muito pesado está sentado em uma parede em uma ponte que passa sobre a pista. Você pode parar o trem empurrando-o da ponte para a pista em frente ao trem. Ele vai morrer, mas os cinco serão salvos. (Você não pode optar por pular na frente do bonde porque não é grande o suficiente para pará-lo.)

O que você faria nessa segunda situação? Embora as duas situações sejam semelhantes e resultem nas mesmas duas consequências (cinco ou uma pessoa morta), a maioria das pessoas tende a puxar a alavanca na primeira, mas não a empurrar o homem na segunda.

Foi basicamente o que fez Gi-hun em seu questionamento. Embora ele não tenha usado da violência para matar seu oponente no jogo das bolinhas de gude, como Sang-Who fez na passarela de vidro, as duas ações teoricamente levariam ao mesmo resultado, já que o derrotado no jogo das bolinhas seria assassinado de qualquer forma pelos vigias do líder.

Porém, é fácil deduzir que a ação de assassinar alguém exercendo algum contato direto ou força contra a vítima causa em nós, seres humanos, uma resposta emocional maior que por outros métodos. Por isso as pessoas tendem a escolher puxar a alavanca para salvar vidas a mais, mas também tendem deixar o trem seguir seu curso normal deixando a mesma quantidade de pessoas morrerem quando são confrontadas com o contato direto com a futura vítima.

É mais fácil também relativizar corrupção ou negligência de governantes, que podem resultar em milhões de mortes, que para um serial killer que causa bem menos dano real. Porém, o segundo é algo mais palpável aos olhos e direto, sendo capaz de mobilizar todo um país na torcida por uma punição (merecida). No primeiro caso, no entanto, geralmente acabam dividindo o país em dois.