A Verdade Permanece Lá Fora: Três Décadas De Arquivo X


Quando Arquivo X estreou em 10 de setembro de 1993, ninguém poderia prever o impacto que a produção teria na TV e na cultura popular americana. A audiência, que na época estava habituada a seriados policiais ou dramas, viu Arquivo X romper o convencional ao unir instigante trama com uma envolvente fórmula episódica. Com uma fusão de ficção científica, drama, crime e mistério, a série criada por Chris Carter conquistou o público e estabeleceu um novo formato para a indústria televisiva.


À primeira vista, somos apresentados aos protagonistas: o agente Fox Mulder (David Duchovny), um brilhante e fideísta em fenômenos paranormais, motivado principalmente por sua busca pessoal pela verdade sobre o desaparecimento de sua irmã Samantha; e a perspicaz e cética agente Dana Scully (Gillian Anderson), médica cientista designada como sua parceira para opor-se às suas teses mirabolantes e trazer uma perspectiva científica para a investigação da Divisão Especial Dos Arquivos X. O convívio iniciado por desconfiança mútua mostrou-se de admiração com o transcorrer da história. A reciprocidade decorrente deles poderem confiar apenas neles mesmos, criou-se um forte vínculo, com ambos aprendendo um com o outro. Os diálogos permeados de cumplicidade e embates inflamados, proporcionaram momentos inesquecíveis. A química entre os personagens foi um dos alicerces da série.



Seja em casos autônomos — os populares monstros-da-semana —, revival ou na construção de sua mitologia, a série entregou episódios intrigantes. A estreia, com clima conspiracionista e mortes herméticas, determinou a base do que seria seu arco central. Em “Squeeze”, os agentes deparam-se com um serial killer que se alimentava de fígados humanos. O icônico “Ice” é sobre parasitas primitivos no Alasca e foi inspirado no prestigiado longa-metragem The Thing de John Carpenter. No infame “Home”, a dupla investiga um infanticídio numa cidadezinha remota, enquanto se defrontam com a insidiosa família Peacock. O “Triangle”, Mulder se vê envolvido em um navio misterioso no triângulo das bermudas numa aparente realidade paralela. Em “Memento Mori”, Scully descobre seu tumor cancerígeno em uma das parcelas mais emocionantes da série. Com “Rm9sbG93ZXJz”, Mulder e Scully precisam lidar com a senciência de uma persecutória inteligência artificial. Já os satíricos “Jose Chung's From Outer Space”, “Bad Blood” e “How The Ghosts Stole Christmas”, demostraram a capacidade de Arquivo X se revigorar.



Ao longo da primeira fase, Scully e Mulder tiveram importantes aliados. Entre eles, o informante de Mulder, inspirado no real Caso Watergate, o misterioso Deep Throat (Jerry Hardin), o trio carismático The Lone Gunmen, Marita Covarrubias (Laurie Holden) como uma funcionária na Secretaria Geral da ONU, ao mesmo tempo, uma espiã dentro do Syndicate, e os agentes Monica Reyes (Annabeth Gish) e John Doggett (Robert Patrick). Contudo, Walter Skinner (Mitch Pileggi), chefe da dupla principal, tornou-se uma figura primordial. Skinner servia como o elo entre o mundo burocrático do FBI e o campo abscôndito das investigações. Sua posição ambígua, por vezes apoiando as ações de Mulder, enquanto em outras ocasiões cedendo às pressões do Bureau, criava uma tensão contínua dele ser um possível membro do famigerado Syndicate, grupo composto por dez integrantes principais, sendo o enigmático CSM (Cigarette Smoking Man) interpretado por William B. Davis, o mais destacado.




Ecoando The Twilight Zone, The Silence Of The Lambs, Kolchak: The Night Stalker e Twin Peaks, a repercussão entre crítica e público foi amplamente positiva, com direito a elogios ao roteiro, direção, atuações do elenco principal e trilha sonora, especialmente a inolvidável música-tema criada por Mark Snow. Com conquistas de ilustres prêmios como Emmy Primetime e o Golden Globe, o seriado da emissora norte-americana Fox tornou-se rapidamente fenômeno comercial. Expressões como “A Verdade Está Lá Fora”, “Eu Quero acreditar” e “Não Confie Em Ninguém”, entraram para o léxico da cultura nerd. Sua narrativa e disposição para explorar temas de sua época, sobretudo os de caráter controverso, fez-se nascer uma aficionada base de fãs – onde a cada episódio teorizavam fervorosos sobre os desdobramentos da abdução da irmã do Mulder, ao passo que, por conseguinte, correlacionavam os casos de modo a tentar estabelecer uma conexão com a grande conspiração.




World Wide Web criada por Tim Berners-Lee na década de 1980 enquanto trabalhava no CERN (conseil européen pour la recherche nucléaire), surgiu inicialmente como uma maneira de os cientistas compartilharem informações com software com recursos de hipermídia. Uma das primeiras séries a se promover usando essa ferramenta foi Arquivo X. Nos créditos iniciais da nona temporada, os telespectadores tinham a oportunidade de vislumbrar a lista nomeada “Contatos, Testemunhas e Colaboradores do F.B.I” que aparecia na tela logo após o crédito de Mitch Pileggi. A listagem era composta pelos criptônimos dos fãs que frequentavam o quadro de mensagens do site oficial. Esta estratégia da produção incentivava o público a sintonizar todas as semanas, ávidos por uma chance de verem seus pseudônimos na TV. A interação online através da relativamente nova internet contribuiu para o sucesso e construção de uma dedicada comunidade que se autointitulava “X-Philes”.




A influência da série se estendeu para além do âmbito ficcional. Gillian Anderson mencionou em várias entrevistas que se surpreendia com a quantidade de cartas de meninas dizendo que Scully estava sendo sua motivação na escolha da profissão. A atriz, inclusive, foi homenageada durante o evento anual AT&T SHAPE  organizado pela Shaping Entertainment and Technology  por seu papel inspirador junto às jovens.

De acordo com uma disquisição do Instituto Geena Davis, cerca de 63% das mulheres que trabalham nas áreas STEM (science, technology, engineering and mathematics) disseram que Dana Scully havia servido como modelo. Entre as mulheres que estavam familiarizadas com a personagem de Scully, impressionantes 91% afirmaram que ela era um exemplo admirável para as meninas.

O “efeito Scully” reforça a influência substancial que a mídia do entretenimento pode exercer sobre às vidas cotidianas, confluindo com a observação de Jessica Milli — diretora de estudos do Institute For Women's Policy Research  quando ressaltou a importância de personagens inspiradores na incentivação de indivíduos para o campo científico, essencialmente em relação às mulheres.



Chris Carter alegou que a ideia da personalidade de seus protagonistas emergiu de sua intrínseca necessidade de acreditar em algo com sua suspeição de crer neste algo. Embora esta dualidade seja comum hoje na ficção, a forma com a qual Carter usou este conceito foi notável. A procura incessante de Mulder pela verdade representa nossos anseios internos de acreditar em algo maior, enquanto o ceticismo de Scully reflete nossa busca constante por explicações racionais para os mistérios da vida. Arquivo X personificou dois extremos nas figuras de Scully e Mulder para nos dizer que o equilíbrio é sempre o indicável na busca pelo conhecimento.




30 Curiosidades 


01. Uma das inspirações de Chris Carter para o enredo decorreu de relatórios da vida real sobre supostas abduções alienígenas.


02. Na vida real, Scully é a que acredita e Mulder o cético.


03. Dana Scully foi inspirada em Clarice Starling de Silence Of The Lambs.


04. Gillian Anderson filmou muitas cenas em pé em uma caixa devido a sua baixa estatura.


05. A série foi uma das primeiras a obter uma classificação TV-MA devido ao episódio “Home” da quarta temporada.


06. O sequestro de Scully na segunda temporada foi uma cobertura para a licença de maternidade da atriz.


07. Vince Gilligan, criador de Breaking Bad, trabalhou como um dos roteiristas de Arquivo X.


08. A música tema foi inspirada numa canção chamada “How Soon Is Now?” da banda britânica The Smits.


09. Stephen King co-escreveu o episódio “Chinga” da quinta temporada.


10. O primeiro filme da franquia Final Destination foi baseado em um roteiro de especificação chamado “Flight 180” de Arquivo X.


11. David Duchovny e Gillian Anderson dirigiram alguns episódios, enquanto Duchovny também escreveu roteiros e histórias para oito episódios.


12. O sobrenome Scully foi inspirado no jornalista esportivo Vin Scully.


13. O número 555 0199 para comunicar-se com o celular de Mulder, foi o mesmo usado por Lester Burnham de American Beauty e Lowell Bergman de The Insider.


14. O episódio “Leonard Betts” bateu o recorde de audiência da série com quase 30 milhões de telespectadores.


15. David Duchovny, Gillian Anderson e William B. Davis são os únicos atores a aparecer no primeiro e no último episódio da série.


16. A ideia inicial de Chris Carter era finalizar na quinta temporada e seguir com a trama em filmes.


17. O “Canceroso” deveria estar em um episódio, mas Chris Carter gostou tanto do personagem e adorou o quão bem William B. Davis desempenhou o papel que decidiu fazer dele uma figura central.


18. Shannon McMahon deveria se tornar uma personagem recorrente na nona temporada, mas uma gravidez de alto risco forçou a atriz Lucy Lawless deixar a produção depois de apenas duas aparições.


19. O icônico pôster “I Want To Believe” causou um impacto cultural na sociedade americana que, em 2008, foi introduzido como uma relíquia no Museu Nacional de História Americana.


20. A tatuagem do episódio “Never Again” foi dublada pela atriz Jodie Foster.


21. Chris Carter viajou pelo mundo escrevendo para a Surfer Magazine antes de criar Arquivo X.


22. Apesar da química incrível em cena, Gillian Anderson e David Duchovny alegaram que só tornaram-se bons amigos após o término da série.


23. Mulder recebeu o sobrenome da mãe de Chris Carter.


24. Mitch Pileggi conheceu sua esposa, Arlene Warren, no set de filmagem.


25. Chris Carter é padrinho da filha de Gillian Anderson.


26. O nome “X-Philes” relacionado ao fandom, é uma referência ao sufixo grego “-phil” que significa “amor por”, ficando como “Amor Por X”. 


27. Contrato de Gillian Anderson a impediu de participar de testes para interpretar Clarice Starling na sequência Hannibal de Silence Of The Lambs.


28. O nome da personagem Leyla Harrison foi uma homenagem a uma fã da série que faleceu de câncer em 2001.


29. Gillian Anderson mentiu sobre sua idade em sua primeira audição, afirmando ter 27 quando na verdade tinha 24 anos.


30. Após a estreia, uma critica da Entertainment Weekly respondeu ao slogan “A Verdade Está Lá Fora” com “Sabemos Essa Série É Um Caso Perdido”. A pergunta que faço é: cadê essas chacotas agora?!



Tudo sobre Arquivo X

O Efeito Scully

Minidocumentário feito por fãs