O papel do crítico de cinema na contemporaneidade

Discussões sobre o papel do crítico de cinema são comuns nas redes sociais quando existe um atrito entre diferentes visões sobre uma obra.



A  função de um crítico é bastante debatida no jornalismo cultural contemporâneo por adquirir uma má fama entre alguns artistas e o público, que acusam-no de ser um criador frustrado. De fato, existem profissionais rabugentos, contudo essa atribuição negativa à profissão é demasiadamente exagerada, pois o crítico é nada menos que um veiculador de opiniões informativas. No livro Jornalismo Cultural, de Daniel Piza, o autor descreve que um crítico deve levar aos seus leitores a melhor análise de uma obra cultural, pontuando todos os aspectos técnicos relevantes, mas também explorando a profundidade dessa arte no contexto político-social em que foi lançada. Um ótimo exemplo dessa abrangência analítica está nas resenhas sobre o filme “Mulher-Maravilha” de 2017, a primeira produção bem- sucedida estrelada por uma protagonista feminina baseada em quadrinhos. Além de destacar toda a qualidade da obra, seria impossível que os profissionais não comentassem a importância histórica do longa-metragem, por ser raro que produções de super-heróis estreladas por mulheres fossem bem recebidas pelo público, num contexto onde as maiores bilheterias do gênero eram de filmes estrelados por homens. Ao abordar esse fato histórico na crítica, o texto torna-se mais completo para o leitor, pois o informa de toda uma conjuntura representativa na indústria do cinema, destacando a obra citada por sua quebra de paradigmas, relevando o caráter machista de Hollywood.

Gal Gadot e Patty Jenkins nos bastidores de Mulher-Maravilha (2017)

O que revela outro aspecto central citado por Piza para a construção de um bom crítico: uma formação cultural diversificada. Não é suficiente saber o que acontece apenas no universo de cobertura da cultura, também faz-se necessário aprender sobre outras temáticas que ajudarão a expandir a visão de mundo do profissional que analisa um produto cultural, pois quanto mais se sabe, mais rico se torna o texto. Se o profissional de cultura é pautado para escrever a respeito de um documentário sobre o caso do Mensalão, ele deve pesquisar sobre o tema e suas nuances, a fim de olhar para aquela produção com o maior nível de conhecimento possível, tendo em vista que se trata de uma obra que cita acontecimentos que moldaram a vida política da sociedade brasileira da época. A responsabilidade social de uma crítica virou assunto de debate nas redes sociais, especialmente, quando o público nota que os autores desses textos estão escrevendo sobre assuntos dos quais não possuem domínio numa tentativa de parecerem mais espertos do que realmente são. Não basta saber sobre o tema, mas articulá-lo respeitosamente é um dever importante porque milhares de pessoas lerão essa análise em busca de informações, interpretações e para entender o ponto de vista do autor.

Rotten Tomatoes vs os fãs de Batman vs Superman

Por mais que exista uma objetividade latente na construção da maioria dos textos críticos de grandes jornais, isso não significa que eles são imparciais. Essa falácia da "imparcialidade" não existe no jornalismo.Independente da área de cobertura, há uma série de métodos que os jornalistas utilizam para construir um texto objetivo segundo as apurações do repórter. Uma boa crítica é construída por argumentos bem fundamentados e pela escolha de palavras do autor, mas tudo isso é um ponto de vista, sua validação depende de uma série de fatores externos. Um ótimo caso para discutir essa relação da suposta imparcialidade da crítica é a onda de repercussão negativa que se seguiu ao lançamento de “Batman vs Superman” em 2016. O filme era muito aguardado por fãs de quadrinhos por ser o primeiro encontro dos maiores super-heróis da DC Comics nos cinemas, porém as opiniões da crítica especializada não foram positivas, o que levou fãs descontentes a classificarem os críticos como parciais, visto que produções da rival Marvel Studios que não eram “boas” receberam boas avaliações. Esse fato gerou um descompasso entre a opinião de parte do público com os críticos, o que nos faz pensar sobre como essa relação é frágil e de difícil mediação dependendo do tema discutido. Por que eles gostaram desse filme, mas não daquele? Será o gosto pessoal do crítico ou uma implicância com diretores específicos?

Anton Ego em cena da animação Ratatouille

A resposta para essas questões são difíceis de responder, mas há um valor no trabalho do crítico que as pessoas podem apreciar. No trecho final de "Ratatouille" de 2007, o personagem Anton Ego, um temido crítico culinário, admite que "às vezes, a mais simples porcaria é mais valiosa do que a nossa crítica", demonstrando que a análise dele não é uma lei a ser seguida pelos leitores, mas que ele as escreve para aconselhar seu público sobre uma paixão que os une: a boa comida. E para Daniel Piza, o crítico cultural não deve apenas informar o leitor, mas instigá-lo a pensar por outras vertentes e emocioná-lo com o uso das palavras, ser debochado ou ácido, conforme a ocasião.