Entre Leviatãs e Dragões

A guerra devastadora entre a Casa Targaryen, retratada na série House Of The Dragon, ressoa singularmente com algumas teorias do polímata britânico Thomas Hobbes. Ao examinar esse conflito conhecido como “A Dança Dos Dragões” através das lentes hobbesianas, é possível desvendar as causas subjacentes que precipitaram sua intensificação. 



O início do embate fratricida ocorreu quando a família Targaryen estabilizava sua dominância em Westeros, impondo seu reinado pelo temor causado pelos dragões. Este domínio, entretanto, era permeado por intrigas e fragilidades coalitivas, que se tornaram aparentes ao término do reinado de Viserys I. Rhaenyra Targaryen, a filha primogênita, foi designada herdeira pelo pai, desafiando tanto as tradições Ândalas quanto os precedentes do Grande Conselho 101. Contudo, após a morte de Viserys, uma confraria usurpadora coroou Aegon II, o meio-irmão de Rhaenyra, desencadeando uma atroz disputa familiar.

Thomas Hobbes, em sua obra seminal Leviatã, dizia que seres humanos em “estado primitivo” vivem em uma “guerra de todos contra todos” (bellum omnium contra omnes), onde a vida se torna uma experiência de extrema hostilidade. A existência humana nessas condições seria solitária, pobre, sórdida, brutal e curta, com indivíduos recorrendo constantemente a atos de desespero.

Para Hobbes, a solução para escapar do que ele descreveu como nosso estado de natureza — um cenário hipotético caracterizado por desordem constante — é a instituição de um Leviatã: um Estado absoluto e indivisível com controle total sobre a sociedade. Essa soberania deve possuir alçada incontestável para legislar, assegurando assim a segurança pública. A proposição é que, ao submeter-se a essa autoridade suprema, as pessoas renunciam a parte de sua liberdade pessoal em troca da estabilidade proporcionada pelo infame contrato social.




Os sucessivos conflitos pelo Trono de Ferro entre os Verdes, partidários de Aegon II, e os Pretos, apoiadores de Rhaenyra, elucidam essa anarquia descrita por Hobbes. A falta de um Estado robusto fez com que duas facções familiares lutassem pela dominância, cada uma tentando instituir sua própria visão de licitude. A ruptura do reino — proporcionada substancialmente pela incompetência de Viserys — resultou em uma realidade onde dragões tornaram-se o principal meio para atingir fins políticos.

Por enquanto, a história demonstra que nenhuma ramificação Targaryen conseguiu preencher de forma consistente o vácuo de poder após a morte de Viserys. Essa lacuna revela a fraqueza de um sistema com uma sucessão contestada, levando à fragmentação do poder — um cenário que Hobbes consideraria caótico. A ascensão de usurpadores e a prevalência de ambições individuais sobre o bem coletivo — prática criticada pelo polímata britânico — induziram a um ciclo de violência e alternância tirania.

Hobbes reconhecia a necessidade de um soberano bem-informado capaz de tomar decisões que promovessem o bem-estar do povo. Nesse aspecto, o despreparo dos principais pretendentes ao trono é significativo. Rhaenyra, sendo herdeira direta, não deveria ter abandonado a capital, mesmo sendo atormentada por Alicent e preterida pelo Pequeno Conselho. Aegon II, por sua vez, convinha ter sido mais diligente em aprender os ditames reais e menos preocupado com bordéis e violação de servas. Além disso, Rhaenyra e Aegon II cometeram erros de filhos ilegítimos.

A bastardia masculina não é tão condenável quanto a feminina no universo de George R.R. Martin, mas ainda assim não é plenamente aceita e está distante de ser isenta de problemas. A sanguinolenta Rebelião Blackfyre, por exemplo, foi causada em grande medida pelas várias amantes e descendentes espúrios de Aegon IV. Mesmo antes de legitimar o bastardo Daemon Waters, o reino já estava instável devido às irresponsabilidades de Aegon IV. Ser monarca implica agir contra os próprios desejos em favor do cumprimento do dever, algo que carece para Pretos e Verdes.

A autenticidade do poder também é um tema hobbesiano relevante. A autoridade máxima do Leviatã deve ser reconhecida e aceita para poder governar eficazmente. No confronto dragônico, a legitimidade de Rhaenyra e Aegon II é vastamente questionada, dividindo King's Landing e erodindo a coesão do famigerado “pacto social”. A incerteza sobre a continuidade desestabilizou tanto a nobreza quanto os plebeus, causando instabilidade em todo o reino.

Uma dinâmica similar pôde ser observada durante a Guerra das Rosas. Nesse período, duas casas nobres, os Lancaster e os York, disputaram o trono inglês em uma série de batalhas inclementes no século XV. Essa disputa teve sua origem na falta de clareza quanto à legitimidade sucessória no século anterior. O filho mais velho de Edward III morreu antes de seu pai, e seu neto, Richard II, ascendeu ao trono aos 10 anos, superando os três filhos sobreviventes de Edward III, gerando múltiplas reivindicações dentro dos familiares plantagenetas e entre seus descendentes.




O casamento entre Rhaenyra e Aegon II seria outra possibilidade para os personagens seguirem os ensinamentos de Hobbes. Esse matrimônio uniria os dois ramos da Casa Targaryen e asseguraria o apoio dos Hightower, que detinham considerável influência política e financeira. Assim, surgiria uma sólida aliança que simbolizaria o Estado Absoluto Hobbesiano. Ademais, Viserys igualmente poderia ter nomeado a jovem Rhaenyra como Mão do Rei, uma ação que não só fortaleceria sua posição como princesa herdeira, mas também lhe proporcionaria maior conhecimento político.

Gradualmente, Viserys poderia ter transferido as obrigações para sua filha, permitindo que ela assumisse as funções de regente nos últimos anos de seu reinado, aproveitando sua experiência como Mão do Rei. Para solidificar o futuro Leviatã, a Coroa poderia ter ordenado torneios anuais em memória do juramento dos nobres à sucessão de Rhaenyra, tornando qualquer contestação à sua legalidade mais difícil. Lamentavelmente, faltou a Viserys e seus conselheiros melhor estratagema para lidar com o entorno.




Os eventos de “A Dança Dos Dragões” e a tese hobbesiana política convergem invariavelmente com o conceito de que a legitimidade do poder absoluto é primordial para a estabilidade monárquica. Reinados como os de Jaehaerys I, Daeron II e Aegon I ilustram essa tendência. Sem aceitação conjunta sobre o que constitui um Leviatã sólido, até mesmo uma força aparentemente indestrutível como a Valyriana está destinada a ruir. 

Como admirador do célebre Galileu Galilei, Thomas Hobbes aplicou um método sistemático e racional à análise da política e da sociedade de sua época, fundamentando suas teorias materialistas acerca da metafísica e contrapondo-se ao pensamento predominante de que o poder exercido pelo monarca advinha de ordem divina. Embora suas ideias sejam atualmente criticadas por muitos devido ao seu caráter absolutista ou determinista, elas forneceram importantes reflexões sobre o sistema político e a natureza humana no século XVII.